A moda sempre foi vista como a arte inalcançável. Será que esse estereótipo perdura até hoje? A plataforma viral, Tiktok, contribuiu para a formação de uma grande rachadura nesse pilar de senso comum.
Ao contrário do que muitos pensam, a moda não é um advento unicamente contemporâneo. Nascida no início do renascimento europeu, a palavra 'moda' deriva do latim 'modus', que a grosso modo, significa "maneira de fazer algo".
Com raízes sociológicas e antropológicas profundas, a moda expõe ao mundo a maneira que um povo, uma cultura, e até um indivíduo se sente e se porta perante a sociedade. Por isso, é aclamada por muitos e tão preservada no quesito histórico e social.
Entretanto, como tudo dentro de um esquema de sociedade capitalista, a moda se segmentou e a elite tomou conta de grande parte dos segmentos, criando o movimento "Haute Couture"(Alta-costura).
"Em 1945, o termo alta-costura passa a ser legalmente protegido e concedido por uma comissão específica, que integra o Ministério da Indústria do país (França). É essa comissão que controla e classifica a criação da alta-costura. Para que uma marca participe dessa classificação e, dessa forma, se torne uma casa membro (Maison), ela deve cumprir regras pré-estabelecidas. A mais primordial de todas é confeccionar à mão e sob medida roupas para clientes particulares, que devem passar por no mínimo uma prova. Cada peça deve ser única e elaborada em um ateliê composto por ao menos 20 artesãos trabalhando em tempo integral. Além disso, o ateliê deve estar sediado na França e a Maison deve apresentar, a cada temporada, uma coleção com 50 modelos originais."
(“ELLE Brasil”, 2024)
O movimento nascido na França ditou e dita até hoje aquilo que será socialmente elevado, ou não. Porém, a internet foi um grande “pivot” no processo de descentralização da moda, e atualmente aplicativos como Tiktok, ouso dizer, tem mais poder ditatorial do que é belo, usável e louvável, do que os parâmetros "antiquados" dos franceses.
Um exemplo notável disso foi o evento Met Gala.
Conhecido como a segunda-feira mais aclamada para o mundo da moda, o evento conta com a participação de diversas celebridades as quais as roupas são assinadas por grandes marcas. Ou seja, em resumo é o evento onde grandes nomes, embaixo de grandes temas, são exibidos através de grandes marcas. Entretanto, o mundo ficou "chocado" ao ver que um dos patrocinadores e um dos canais de cobertura oficial foi o TikTok.
Anna Wintour, diretora chefe da Vogue e idealizadora do evento, foi severamente criticada por sua escolha, porém não pareceu dar tanta atenção às críticas, haja vista que o retorno que obteve com a parceria foi bem significativo. Mesmo que uma boa parcela desse retorno tenha sido negativo.
Além da "massificação" do conteúdo que normalmente a alta sociedade consome, o Tiktok, por outro lado, serviu como palco para protestos contra as celebridades que atenderam ao Met Gala. Na época a qual o evento se passou, o genocídio em Gaza estava atingindo números inimagináveis de mortos e feridos, e diversos famosos deixaram o assunto em baixo dos panos enquanto atendiam ao Met, pagando pouco mais de 70 mil dólares por ingresso e vestindo roupas que valem mais do que o necessário para mitigar muitas carências que os reféns de Gaza sofriam e ainda sofrem. Esse processo gerou nos usuários politizados da plataforma um ímpeto de fazer algo. Daí surgiu a hashtag Blockout 2024.
"[...] a hashtag #Blockout2024 tomou conta das redes sociais. O movimento emergiu no TikTok e busca questionar o posicionamento de celebridades e membros da alta sociedade em relação aos atuais conflitos geopolíticos."
(MARQUES, 2024)
Ou seja, o que antes era palco unicamente para realçar a beleza de peças exclusivas, e enaltecer grandes nome, se tornou gatilho para popularização da moda e para a politização das ações de milionários.
Posto isso, plataformas virais, tornaram-se o epicentro onde a cultura mundial se reúne e se espalha. É notável que o consumo de moda foi brutalmente afetado por isso, haja vista que dividimos a visibilidade de grandes canais de propagação, consolidados por gerações, de moda e tendências e demos palco para micro influenciadores e subcelebridades ditarem aquilo que estará sendo usado nessa, e na próxima estação.
Entretanto, por mais que o consumo de moda tenha sido profundamente alterado, onde transacionamos dos modelos aclamados de alta-costura e fomos para o modelo "ultra fast fashion", não podemos ser enganados com uma falsa afirmativa de que plataformas como o TiKTok democratizaram a moda.
"O TikTok não democratizou a moda, mas a fez parecer menos remota. Para a velha guarda da moda, o TikTok tornou-a menos poderosa e, no entanto, mais popular" (TASHJIAN, p. 5)
Com isso, o que antes era um assunto que era discutido unicamente em mesas de dinheiro velho e consolidado (old money), agora pode ser debatido em xique-xique Bahia através de vídeos de 15 à 60 segundos no TikTok.
E por mais que essa efêmera realidade de vídeos curtos nos dê a falsa sensação de que o mundo é belo e justo e todos podem falar sobre tudo, damos de cara com o pilar meio rachado que citei anteriormente. Somos lembrados que há pouco espaço para aqueles que não são abastados do dinheiro velho. A moda, que é vendida, lembrada e levada para o museu ainda é Haute Couture.
"[...] a moda liga-se à rivalidade social, ou seja, o consumo das classes superiores obedece em essência ao esbanjamento ostentatório, a fim de atrair a estima e a inveja dos outros.” (Carneiro Leão, 2011, p. 1)
E você, já postou seu Get Ready With Me hoje?
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Referências
✱ TASHJIAN, R. How TikTok changed fashion. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/style/fashion/2024/05/06/met-gala-tiktok/ >. Acesso em: 9 jul. 2024.
✱ RENATA GONÇALVES PEREIRA. História da moda: conheça a origem e a evolução pelos séculos. Disponível em: <https://areademulher.r7.com/curiosidades/historia-da-moda/ >. Acesso em: 10 jul. 2024.
✱ Alta-costura: o que é, quem faz e tudo que você precisa saber - ELLE Brasil. Disponível em: <https://elle.com.br/moda/alta-costura-o-que-e#:~:text=A%20mais%20primordial%20de%20todas,artes%C3%A3os%20trabalhando%20em%20tempo%20integra l.>. Acesso em: 10 jul. 2024.
✱ CARNEIRO, IGOR. Reflexões sobre 'O Império do Efêmero', de Gilles Lipovetsky. DISPONÍVEL EM: http://revistas.ufpr.br/ret/article/view/26826 . ACESSO EM: 12 JUL. 2024
✱ MARQUES, J. Blockout 2024: após polêmica no Met Gala, web reage contra famosos. Disponível em: <https://www.metropoles.com/colunas/ilca-maria-estevao/blockout-2024-apos-polemica-no-met-gala-web-reage-contra-famosos> . Acesso em: 15 jul. 2024.
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